Namoros musicais e a orgia do funknejo

Se você frequenta a noite carioca ou pelo menos ouve rádio, com certeza já se deparou com o mais novo fenômeno: o funknejo. Como o nome diz, nada mais é que a mistura do funk com o sertanejo (ou pelo menos com um resquício dele). Uma matéria no jornal O Globo do último sábado analisou muito bem essa união, marcada por hits como “Eu quero tchu, eu quero tcha”, de João Lucas & Marcelo, que foi parar até na novela das oito.

No texto, o repórter Leonardo Lichote traça a evolução do encontro entre esses ritmos, que começa pelas canções-resposta das mulheres às letras machistas (à exemplo de “Vou largar de barriga”, duelo entre os MCs Parafuso e Carol e “Casa das primas”, de MC Luan, que rendeu a resposta “Casa dos Machos”, da MC Pocahontas) e remetem aos desafios de violeiros, chegando, mais recentemente, à influência da temática diversão-sexo-ostentação do modelo atual do funk no sertanejo, configurando uma nova fase do gênero, classificada pelo antropólogo Hermano Vianna como “pós-universitária”.

A consagração oficial do funknejo me fez refletir: por mais que dançar o “tche-tcherere-tchetchê” seja divertido, a que nível a mistura está chegando? É claro que essa indústria é movida pelo comércio, mas não pode ser só isso. É preciso manter o mínimo de coerência musical. E a “evolução” desse mix, que domina as rádios, às vezes não tem nenhuma.

Não falo nem de Gusttavo Lima ou do “tchu-tcha-tcha”, que utilizam a batida eletrônica e o culto à balada, mas são efetivamente uma fusão dos ritmos. Eles se transformam em um estilo novo e ponto, gostos à parte.  Mas existem também as versões de funks, como a de Cristiano & Capela para “Tá tarada”, dos MCs Dadinho e Diguinho (com direito a um clipe que eu não teria por onde começar a comentar, portanto coloco aqui embaixo para vocês tirarem suas conclusões), de Ivis & Carraro para “Danada vem que vem” do Mc Koringa e de Pedro Paulo & Alex para “Adultério”, do Catra. Pra começar, os próprios cantores não são mais verdadeiros sertanejos. Qualquer classe média urbana coloca um chapéu caipira e forma dupla hoje em dia. Fora isso, essas letras fazem parte da cultura do funk, da periferia e parte do atrativo das músicas é o “batidão” que contagia quem gosta de dançar. O sertanejo, essencialmente romântico, dançado juntinho, se transforma em uma bizarrice nessas versões, em algo que não combina, que não é homogêneo. Virou uma fanfarronice sem tamanho. Não é mais um namoro ou casamento musical, é uma orgia.

Gosto de funk e até da primeira leva de sertanejo universitário, e danço essas músicas na noite como a maioria das pessoas da minha idade. Também gosto de axé (já deu para perceber que não sou nem um pouco erudita, portanto), um gênero que tem pouco espaço nas rádios do Rio e que conta com alguns programas dedicados a ele no fim de semana. Um deles era o Back to Bahia, da FM O Dia, que há um tempo virou Back to Brasil para suportar a onda sertaneja. Até aí, tudo bem. É comercial. Mas agora, para tentar ouvir Banda Eva no programa em questão, tenho que encarar umas espécies de mash ups que chegam a juntar Katy Perry e David Guetta a sucessos de Jorge & Mateus. Isso em programa dedicado a ritmos brasileiros. Parece que eu troquei de estação sem perceber.

Para entender melhor, vamos analisar a letra de “Romance”, de Humberto & Ronaldo, claramente inspirada em “Pentada Violenta”, do Mc Luan:

Tá a fim de um romance?
Compra um livro
Se quer felicidade vem me ver de novo
Mas se quer amor…
Mas se quer amor…

Se quer amor o quê? Não tenha esperanças porque ninguém explica no resto da canção. Podem criticar a qualidade da música original do Luan, mas pelo menos ela faz sentido. Ele não oferece romance, mas também não oferece amor. E nessa aí? Ele nem sabe o que quer oferecer.

Não sou contra misturas, mesmo que inusitadas, de jeito nenhum. Na verdade, adoro fusões de coisas que aparentemente nada têm a ver umas com as outras e que, no final, resultam em algo bacana. Eu adorava, por exemplo, o Estúdio Coca-Cola, um programa veiculado na MTV entre 2007 e 2008, que promovia encontros entre artistas de universos bem diferentes. Uniões que pareciam bizarras como Chitãozinho e Xororó com Fresno, Banda Calypso com Paralamas do Sucesso, CPM22 com o Babado Novo ainda liderado por Claudia Leitte e (a mais memorável para mim) Vanessa da Mata com Charlie Brown Jr, resultaram em shows de qualidade, independentemente de gosto musical.

Outro caso que comprova que namoros musicais podem dar certo é o recente sucesso do grupo Sambô, que leva o rock e o pop para o samba, tocando em ritmo de pagode músicas como “This love” (Maroon 5), “Sunday bloody Sunday” (U2), “Rock and roll” (Led Zeppelin) e “Mercedes Benz” (Janis Joplin). Com a fórmula, o grupo, que chegou de mansinho, já vendeu mais de 70 mil cópias do seu DVD independente e está fazendo cerca de 20 shows por mês em todo o país.

A popularidade do Sambô cresce tanto que seu primeiro show na Fundição Progresso, na próxima sexta-feira, dia 15, que seria mais intimista, no palco São Sebastião, com capacidade para 1.500 pessoas, teve que ser transferido para a arena, cuja lotação é de 4 mil.

Por mais que os sambistas mais conservadores e os roqueiros cabeça-dura não aceitem muito bem a união, é inegável a qualidade do som que os caras fazem. Além disso, eles trazem para a nova geração clássicos que passam ainda por Originais do Samba e Benito di Paula. Muito válido em tempos em que os jovens dependem do You Tube para ouvir alguns desses artistas. E, para quem já conhece e tem a mente mais aberta, é um prazer ouvir.

São uniões que acrescentam, que enriquecem a música. Cabe aos consumidores do funknejo ter o mínimo de senso crítico para identificar o que é divertido do que é esdrúxulo e nos livrar de ouvir, sem muita escolha, “Sou Foda” no acordeon.

A legião de Wagner Moura

Foi o assunto das redes sociais na última semana: a homenagem à maior banda de rock do país, Legião Urbana, com o ator/fã Wagner Moura nos vocais. As duas apresentações, realizadas nos dias 29 e 30 de maio no Espaço das Américas, em São Paulo, seriam as últimas dos ex-integrantes Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá tocando o repertório do grupo. Mas, mesmo com todas as falhas técnicas, o projeto está rendendo bastante para a MTV, que organizou os shows. E para a alegria de muitos e revolta de outros, poderá virar turnê.

Wagner Moura à frente do Tributo a Legião Urbana, no dia 29 de maio (Foto: Caio Kenji/G1)

Pelo menos foi o que noticiou a coluna Outro Canal, do jornal Folha de São Paulo, nesta segunda-feira. De acordo com a publicação, a emissora já recebeu convites de patrocinadores interessados em promover uma série de shows, em vista da tamanha repercussão alcançada: no Facebook, verdadeiras “guerrinhas” entre os fãs incomodados com a escolha de Wagner e os que defendiam o ator se instauraram. No Twitter, a homenagem dominou os TT´s nos dois dias de apresentações, chegando aos mais populares do mundo no dia 30, quando, a pedidos da platéia e delírio de telespectadores (inclusive o meu), a banda tocou o hit-saga Faroeste Caboclo. Como se não bastasse, o especial garantiu à MTV no dia 29 sua maior audiência no ano (1,2 ponto, superando o evento líder de público e faturamento da emissora: o VMB).

As negociações, porém, dependem da disponibilidade de Wagner Moura, Bonfá e Dado. Este último, aliás, já havia anunciado na época dos ensaios que as apresentações em São Paulo seriam as únicas. “Esse show representa uma virada de página. Queremos trazer essa lembrança, esse respeito ao repertório, ao nosso público, encerrar um ciclo. O que quero dizer é que de repente isso é definitivo, que não voltaremos mais a essas canções”, disse o guitarrista ao repórter Leonardo Lichote, da Agência O Globo.

Analisando os motivos, a turnê reforçaria as alegações dos que criticaram a homenagem, dizendo que a escolha de um ator popular que não manda tão bem nos vocais para o lugar de Renato Russo no palco seria apenas para gerar dinheiro. Quem não viu a ideia do projeto como eu – uma oportunidade de os fãs reviverem a Legião no maior movimento em torno da banda realizado desde a morte de Renato, em 1996, com um representante deles conduzindo o coro – achincalhou Wagner. Mas, na minha opinião, é uma visão ou extremamente passional (porque os fãs de Legião são a geração anterior dos fãs xiitas de Los Hermanos) ou muito fria.

Concordo que o preço dos ingressos foi absurdo (R$ 200 o valor inteiro) e que faltou empenho. Até leigos como eu conseguiram perceber as desafinações do ator, que é até regular na banda que lidera, a Sua Mãe. Claro que é extremamente difícil cantar os hinos eternizados pela voz de Russo (e acredito que este tenha sido um dos fatores que contribuíram para sua escolha e não a de um cantor mais qualificado: haveria comparação) e o Sua Mãe é mais uma brincadeira do que uma empreitada profissional, mas, para as proporções que o tributo tomaria (inclusive a gravação de um DVD), ele pedia mais preparo, mais ensaio. Essa foi, aliás, uma das observações da irmã de Russo, Carmem Manfredini, que falou em entrevista ao Correio Braziliense que “se o Wagner não tem um bom ouvido musical, os dois artistas da banda deveriam tê-lo orientado”.

Mas o fato é que as cerca de 14 mil pessoas (7 mil em cada dia) que presenciaram aquela homenagem foram ao êxtase. Ali não teve polêmica, não teve discussão. Foi formado um templo para o Legião e Wagner era apenas um fã privilegiado no lugar sonhado por muitos, comandando aquele karaokê coletivo. Uma reunião de cantores, como aconteceu no show com a Orquestra Sinfônica no Rock in Rio, não proporcionaria tanta emoção.

A participação de Andy Gill, guitarrista da Gang of Four, uma das bandas de que Renato Russo mais gostava e de Bi Ribeiro, dos Paralamas do Sucesso, colaboraram para a inserção no universo anos 80 do grupo. A ideia de juntar no mesmo palco fãs e ídolos, influências e inspirações, proposta por Felipe Hirsch, que assinou roteiro e direção de arte, fez valer o ingresso dos que ali estavam e a noite dos que acompanhavam em casa.

A entrega e a coragem de Wagner fizeram do show uma experiência única. Sua felicidade era arrebatadora. E eu, como uma fã dentro dos limites da passionalidade, adoraria participar dessa catarse.